O projeto Caminhos Tradicionais do Litoral pesquisou, através da história oral enquanto metodologia, os caminhos percorridos pelas comunidades quilombolas antes da construção da BR 101, também conhecida como Rodovia Rio-Santos, cuja construção data do início da década de 70. Contudo, mesmo antes do reconhecimento oficial dos territórios quilombolas na região e da rodovia, tais comunidades já habitavam aquele espaço.
A partir das entrevistas com os integrantes mais antigos das comunidades foi possível identificar os modos de viver no território a partir da década de 40 e mapear as principais trilhas de servidão do Litoral Norte de São Paulo. Tais trilhas de servidão eram fundamentais para a sustentabilidade e para o cotidiano das comunidades. Por meio delas eram feitas as barganhas de mantimentos e utensílios, as visitas aos parentes e, até mesmo, os enterros de um ente querido.
Os caminhos identificados durante a pesquisa estão apresentados com uma demarcação simbólica neste mapa, sendo que muitos deles não são mais transitáveis. O mapa possui recursos interativos que nos direcionam para vídeos e para a interação com objetos de realidade aumentada.
Todo o material de pesquisa utilizado está disponível para o consulente em um banco de dados online, bem como uma versão online desse mesmo mapa. Para conferir, basta acessar o site do projeto: www.caminhostradicionais.com.br
O projeto foi viabilizado pelo Edital ProAc nº15/2019 de Economia Criativa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo.
André Bazzanella / Chefe da Casa do Patrimônio do Vale do Paraíba
Uma paisagem é uma herança material, mas também simbólica, cujos sentidos extrapolam o todo resultante da junção de cada uma de suas partes. Isto porque é um patrimônio coletivo que une a espacialidade e temporalidade. Ou seja, uma paisagem comporta sempre outras paisagens ocultas ao olhar imediato. Trata-se de um conjunto infinito de marcas da passagem do tempo cujos vestígios guardam a memória, muitas vezes anônimas de múltiplas atribuições de sentidos, olhares e passagens.
Uma paisagem é, pois, reconstruída a cada momento, por cada olhar, uma vez que podemos “entrar” em uma paisagem por diversos aspectos, como pela sensorialidade, das perspectivas. A partir de cada ponto de vista sempre estaremos face a face com a fração de um todo que nos ultrapassa e que contém, em si, nossa própria presença como testemunho a ser interpretado pelo futuro. Uma paisagem é, portanto, um espaço onde o tempo está compactado a ponto de se tornar uma fração da eternidade, um espaço no qual o tempo deixa de existir enquanto continuidade abstrata para se tornar materialidade.
Assim, pensar as relações tradicionais estabelecidas em um território especialmente marcada pela resistência de modos de vida dos quilombos, em meio os esforços de urbanização, a construção de estradas (que trazem consigo atribuições de significado e necessidades alheias àquelas que foram construídas tradicionalmente ao longo dos séculos de experiência com a região), é iluminar a ampliação do conceito de pertencimento que marca a lutas das comunidades locais frente ao desenraizamento induzido pela sua inserção em uma rede de valores estranhos à materialidade e às relações afetivas que as compõem.
Trata-se, portanto, de evidenciar e valorizar as determinações históricas e simbólicas que contribuíram para a formação dos sentidos dados às relações dialógicas entre os seres humanos e seu ambiente em torno da criação de um território e suas matrizes afetivas de pertencimento ao mundo.
A história oral é uma metodologia de pesquisa do campo da História que concebe e transforma a oralidade em fonte e documento histórico É um método que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que possam testemunhar sobre modos de viver, acontecimentos ou diferentes aspectos da história contemporânea. Por meio dela, as narrativas extra oficiais, as contra hegemônicas, os conhecimentos tradicionalmente transmitidos apenas através da oralidade, comum ao modo de viver de muitas comunidades, podem ser registrados possibilitando abordagens que priorizam uma história próxima e comum a qualquer pessoa, promovendo reflexões sobre as diferentes maneiras de experienciar e narrar um mesmo período histórico.
Os relatos oriundos dessa metodologia são diversos e podem representar um testemunho transmitido de geração em geração ou uma evidência oral das experiências de vida específicas do entrevistado. Relaciona-se assim, na reflexão historiográfica, as memórias individuais e as memórias coletivas. Todavia, como qualquer outra fonte histórica, as fontes orais também carecem de um minucioso trabalho crítico, no qual cabe ao pesquisador buscar as rupturas, as continuidades, entendendo os esquecimentos, os apagamentos, os realces, as proeminências e todas as infinitas representatividades contidas nos relatos.
Neste projeto o processo de pesquisa se deu de forma participativa e colaborativa com as três comunidades: Quilombo da Fazenda, Quilombo do Cambury e Quilombo Sertão do Itamambuca. Foram realizadas reuniões de apresentação do projeto para as comunidades que, então, selecionaram seus pesquisadores e jovens aprendizes para acompanhar todo o processo. Os entrevistados nesse projeto foram escolhidos pela própria comunidade, de forma participativa, com intuito de preservação da auto-representatividade dos relatos, minimizando assim interferências externas na escolha e tratamento historiográfico das narrativas.
Nascido em 01 de março de 1951, lavrador, filho de Francisca Assunção e Bernardino Manoel dos Santos, residente do Quilombo da Fazenda.
Nascido em 13 de março de 1965, produtor rural, filho de Marina Alves da Conceição, residente do Quilombo do Cambury.
Nascida em 09 de julho de 1950, do lar e lavradora, Maria Felisbina dos Santos e José Antônio dos Santos, residente do Quilombo do Cambury. (in memoriam)
Nascido em 03 de abril de 1950, lavrador, filho de Teresa Barbosa Leite e Benedito Januário Leite, residente do Quilombo Sertão do Itamambuca.
Nascida em 08 de março de 1956, cozinheira, filha de Justina da Conceição Braga e José Braga, residente do Quilombo da Fazenda.
Nascida em 14 de julho de 1966, diarista, filha de Laura Maria Leite e Nelson e Januário Leite, residente do Quilombo Sertão do Itamambuca.
Nascido em 19 de julho de 1953, pedreiro, filho de Teresa Barbosa Leite e Benedito Januário Leite, residente do Quilombo Sertão do Itamambuca.
Nascido em 22 de fevereiro de 1955, pescador e cozinheiro, conhecido também como Badeco, filho de Filomena do Nascimento e José Quirino Lopes, residente do Quilombo do Cambury.
Nascido em 02 de abril de 1949, pescador, filho de Maria Aparecida Braga e José Braga, residente do Quilombo da Fazenda.
Nascido em 03 de maio de 1948, pescador e lavrador, filho de Maria Carmelina Braga e Leopoldo Braga, residente do Quilombo da Fazenda.
Nascido em 12 de abril de 1958, motorista e artesão, filho de Maria Aparecida Santos Soares e Carmo Firmino Soares, residente da Comunidade do Cambury.
Nascida em 28 de março de 1965, empregada de casas familiares, filha de Dora Barbosa e Orlando Francisco dos Santos, residente do Quilombo Sertão do Itamambuca.
Nascida em 23 de dezembro de 1969, artesã e lavradora, filha de Maria Nadir dos Remédios e José Vieira, residente do Quilombo da Fazenda.
Nascido em 06 de março de 1959, pescador, conhecido também como Nego, filho de Lúcia Belmiro Conceição Braga e José Braga, residente do Quilombo da Fazenda.
Nascido em 30 de março de 1953, pescador, filho de Maria Carmen Santos e Manoel Firmino Soares, residente do Quilombo do Cambury
Nascida em 25 de abril de 1932, empregada de casas familiares, conhecida também como Dona Tiana, filha de Maria do Rosário, residente do Quilombo Sertão do Itamambuca.